Quando falamos sobre Filosofia
contemporânea, fizemos referência a um tipo de
filosofia conhecida como filosofia analítica.
A filosofia analítica dedicou-se
prioritariamente aos estudos da linguagem e da
lógica e por isso situou a
verdade como um fato ou um acontecimento lingüístico
e lógico, isto é, como um fato da
linguagem. A teoria da verdade, nessa filosofia,
passou por duas grandes etapas.
Na primeira, os filósofos
consideravam que a linguagem produz enunciados
sobre as coisas – há os
enunciados do senso-comum ou da vida cotidiana e os
enunciados lógicos formulados
pelas ciências. A pretensão da linguagem, nos
dois casos, seria a de produzir
enunciados em conformidade com a própria
realidade, de modo que a verdade
seria tal conformidade ou correspondência
entre os enunciados e os fatos e
coisas.
Essa conformidade ou
correspondência seria inadequada e imprecisa na
linguagem natural ou comum (nossa
linguagem cotidiana) e seria adequada,
rigorosa e precisa na linguagem
lógica das ciências. Por isso, a ciência foi
definida como “linguagem bem
feita” e concebida como descrição e “pintura” do
mundo.
No entanto, inúmeros problemas
tornaram essa concepção insustentável. Por
exemplo, se eu disser “estrela da
manhã” e “estrela da tarde”, terei dois
enunciados diferentes e duas
pinturas diferentes do mundo. Acontece, porém, que
esses dois enunciados se referem
ao mesmo objeto, o planeta Vênus. Como posso
ter dois enunciados diferentes
para significar o mesmo objeto ou a mesma coisa?
Um outro exemplo, conhecido com o
nome de “paradoxo do catálogo ”, também
pode ilustrar as dificuldades da
teoria da verdade como correspondência entre
enunciado e coisa, em que a
correspondência é uma “pintura” da realidade feita
pelas idéias.
Se eu disser que existe o catálogo
de todos os catálogos, onde devo colocar o
“catálogo dos catálogos”? Isto é,
o catálogo dos catálogos é um catálogo
catalogado por ele mesmo junto
com os outros catálogos, ou é um catálogo que
não faz parte de nenhum catálogo?
Se estiver catalogado, não pode ser catálogo
de todos os catálogos, pois será
necessário um outro catálogo que o contenha;
mas se não estiver catalogado,
não é o catálogo de todos os catálogos, pois em tal
catálogo está faltando ele
próprio.
O que se percebeu nesse paradoxo
é que a estrutura e o funcionamento da
linguagem não correspondem
exatamente à estrutura e ao funcionamento das
coisas. Essa descoberta conduziu
a filosofia analítica à idéia da verdade como
algo puramente lingüístico e
lógico, isto é, a verdade é a coerência interna de
uma linguagem que oferece
axiomas, postulados e regras para os enunciados e
que é verdadeira ou falsa
conforme respeite ou desrespeite as normas de seu
próprio funcionamento.
Cada campo do conhecimento cria
sua própria linguagem, seus axiomas, seus
postulados, suas regras de
demonstração e de verificação de seus resultados e é a coerência interna entre
os procedimentos e os resultados com os princípios que
fundamentam um certo campo de
conhecimento que define o verdadeiro e o
falso. Verdade e falsidade não
estão nas coisas nem nas idéias, mas são valores
dos enunciados, segundo o critério da coerência
lógica.
Os filósofos empiristas tendem a
considerar que os critérios anteriores são
puramente teóricos e que, para
decidir sobre a verdade de um fato ou de uma
idéia, eles não são suficientes e
podem gerar ceticismo, isto é, como há variados
critérios e como há mudanças
históricas no conceito da verdade, acaba-se
julgando que a verdade não existe
ou é inalcançável pelos seres humanos.
Para muitos filósofos empiristas,
a verdade, além de ser sempre verdade de fato e
de ser obtida por indução e por
experimentação, deve ter como critério sua
eficácia ou utilidade. Um
conhecimento é verdadeiro não só quando explica
alguma coisa ou algum fato, mas
sobretudo quando permite retirar conseqüências
práticas e aplicáveis. Por
considerarem como critério da verdade a eficácia e a
utilidade, essa concepção é
chamada de pragmática e a corrente filosófica que a
defende, de pragmatismo.
Fonte: Chaui, Marilena. Convite à filosofia, Unidade 3, Capítulo 3. (pág. 130 a 132)
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