desenvolvimento técnico-científico, poderio humano para construir uma vida
justa e feliz, a Filosofia apostou nas utopias revolucionárias - anarquismo,
socialismo, comunismo -, que criariam, graças à ação política consciente dos
explorados e oprimidos, uma sociedade nova, justa e feliz.
No entanto, no século XX, com o surgimento das chamadas sociedades
totalitárias - fascismo, nazismo, stalinismo - e com o aumento do poder das
sociedades autoritárias ou ditatoriais, a Filosofia também passou a desconfiar do
otimismo revolucionário e das utopias e a indagar se os seres humanos, os
explorados e dominados serão capazes de criar e manter uma sociedade nova,
justa e feliz.
O crescimento das chamadas burocracias - que dominam as organizações
estatais, empresariais, político-partidárias, escolares, hospitalares - levou a
Filosofia a indagar como os seres humanos poderiam derrubar esse imenso
poderio que os governa secretamente, que eles desconhecem e que determina
suas vidas cotidianas, desde o nascimento até a morte.
A cultura
No século XIX, a Filosofia
descobre a Cultura como o modo próprio e específico
da existência dos seres humanos.
Os animais são seres naturais; os humanos,
seres culturais. A Natureza é
governada por leis necessárias de causa e efeito; a
Cultura é o exercício da
liberdade.
A cultura é a criação coletiva de
idéias, símbolos e valores pelos quais uma
sociedade define para si mesma o
bom e o mau, o belo e o feio, o justo e o
injusto, o verdadeiro e o falso,
o puro e o impuro, o possível e o impossível, o
inevitável e o casual, o sagrado
e o profano, o espaço e o tempo. A Cultura se
realiza porque os humanos são
capazes de linguagem, trabalho e relação com o
tempo. A Cultura se manifesta
como vida social, como criação das obras de
pensamento e de arte, como vida
religiosa e vida política.
Para a Filosofia do século XIX,
em consonância com sua idéia de uma História
universal das civilizações,
haveria uma única grande Cultura em
desenvolvimento, da qual as
diferentes culturas seriam fases ou etapas. Para
alguns, como os filósofos que
seguiam as idéias de Hegel, o movimento do
desenvolvimento cultural era
progressivo.
Para outros, chamados de
filósofos românticos ou adeptos da filosofia do
Romantismo, as culturas não
formavam uma seqüência progressiva, mas eram
culturas nacionais. Assim, cabia
à Filosofia conhecer o “espírito de um povo”
conhecendo as origens e as raízes
de cada cultura, pois o mais importante de uma
cultura não se encontraria em seu
futuro, mas no seu passado, isto é, nas
tradições, no folclore nacional.
No entanto, no século XX, a
Filosofia, afirmando que a História é descontínua,
também afirma que não há a
Cultura, mas culturas diferentes, e que a
pluralidade de culturas e as
diferenças entre elas não se devem à nação, pois a
idéia de nação é uma criação
cultural e não a causa das diferenças culturais.
Cada cultura inventa seu modo de
relacionar-se com o tempo, de criar sua
linguagem, de elaborar seus mitos
e suas crenças, de organizar o trabalho e as
relações sociais, de criar as
obras de pensamento e de arte. Cada uma, em
decorrência das condições
históricas, geográficas e políticas em que se forma,
tem seu modo próprio de organizar
o poder e a autoridade, de produzir seus
valores.
Contra a filosofia da cultura
universal, a Filosofia do século XX nega que haja
uma única cultura em progresso e
afirma a existência da pluralidade cultural.
Contra a filosofia romântica das
culturas nacionais como expressão do “espírito
do povo ” e do conjunto de
tradições, a Filosofia do século XX nega que a
nacionalidade seja causa das
culturas (as nacionalidades são efeitos culturais
temporários) e afirma que cada
cultura se relaciona com outras e encontra dentro
de si seus modos de
transformação. Dessa maneira, o presente está voltado para o
futuro, e não para o conservadorismo do passado.
Fonte: Chaui, Marilena. Convite à filosofia, Capítulo 5.
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