Dissemos, no capítulo anterior,
que a Filosofia contemporânea vai dos meados do
século XIX até nossos dias e que,
por estar próxima de nós, é mais difícil de ser
vista em sua generalidade, pois
os problemas e as diferentes respostas dadas a
eles parecem impossibilitar uma
visão de conjunto.
Em outras palavras, não temos
distância suficiente para perceber os traços mais
gerais e marcantes deste período
da Filosofia. Apesar disso, é possível assinalar
quais têm sido as principais
questões e os principais temas que interessaram à
Filosofia neste século e meio.
História e progresso
O século XIX é, na Filosofia, o
grande século da descoberta da História ou da
historicidade do homem, da
sociedade, das ciências e das artes. É particularmente
com o filósofo alemão Hegel que
se afirma que a História é o modo de ser da
razão e da verdade, o modo de ser
dos seres humanos e que, portanto, somos
seres históricos.
No século passado, essa concepção
levou à idéia de progresso, isto é, de que os
seres humanos, as sociedades, as
ciências, as artes e as técnicas melhoram com o
passar do tempo, acumulam
conhecimento e práticas, aperfeiçoando-se cada vez
mais, de modo que o presente é
melhor e superior, se comparado ao passado, e o
futuro será melhor e superior, se
comparado ao presente.
Essa visão otimista também foi
desenvolvida na França pelo filósofo Augusto
Comte, que atribuía o progresso
ao desenvolvimento das ciências positivas. Essas
ciências permitiriam aos seres
humanos “saber para prever, prever para prover”,
de modo que o desenvolvimento
social se faria por aumento do conhecimento
científico e do controle
científico da sociedade. É de Comte a idéia de “Ordem e
Progresso”, que viria a fazer
parte da bandeira do Brasil republicano.
No entanto, no século XX, a mesma
afirmação da historicidade dos seres
humanos, da razão e da sociedade
levou à idéia de que a História é descontínua e
não progressiva, cada sociedade
tendo sua História própria em vez de ser apenas
uma etapa numa História universal
das civilizações.
A idéia de progresso passa a ser
criticada porque serve como desculpa para
legitimar colonialismos e
imperialismos (os mais “adiantados” teriam o direito de
dominar os mais “atrasados”). Passa a ser criticada
também a idéia de progresso
das ciências e das técnicas,
mostrando-se que, em cada época histórica e para
cada sociedade, os conhecimentos
e as práticas possuem sentido e valor próprios,
e que tal sentido e tal valor
desaparecem numa época seguinte ou são diferentes
numa outra sociedade, não
havendo, portanto, transformação contínua,
acumulativa e progressiva. O
passado foi o passado, o presente é o presente e o
futuro será o futuro.
As ciências e as técnicas
No século XIX, entusiasmada com
as ciências e as técnicas, bem como com a
Segunda Revolução Industrial, a
Filosofia afirmava a confiança plena e total no
saber científico e na tecnologia
para dominar e controlar a Natureza, a sociedade
e os indivíduos.
Acreditava-se que a sociologia,
por exemplo, nos ofereceria um saber seguro e
definitivo sobre o modo de funcionamento
das sociedades e que os seres
humanos poderiam organizar
racionalmente o social, evitando revoluções,
revoltas e desigualdades.
Acreditava-se, também, que a
psicologia ensinaria definitivamente como é e
como funciona a psique humana,
quais as causas dos comportamentos e os meios
de controlá-los, quais as causas
das emoções e os meios de controlá-las, de tal
modo que seria possível
livrar-nos das angústias, do medo, da loucura, assim
como seria possível uma pedagogia
baseada nos conhecimentos científicos e que
permitiria não só adaptar
perfeitamente as crianças às exigências da sociedade,
como também educá-las segundo
suas vocações e potencialidades psicológicas.
No entanto, no século XX, a
Filosofia passou a desconfiar do otimismo
científico-tecnológico do século
anterior em virtude de vários acontecimentos: as
duas guerras mundiais, o
bombardeio de Hiroshima e Nagasaki, os campos de
concentração nazistas, as guerras
da Coréia, do Vietnã, do Oriente Médio, do
Afeganistão, as invasões
comunistas da Hungria e da Tchecoslováquia, as
ditaduras sangrentas da América
Latina, a devastação de mares, florestas e terras,
os perigos cancerígenos de
alimentos e remédios, o aumento de distúrbios e
sofrimentos mentais, etc.
Uma escola alemã de Filosofia, a
Escola de Frankfurt, elaborou uma concepção
conhecida como Teoria Crítica, na
qual distingue duas formas da razão: a razão
instrumental e a razão
crítica.
A razão instrumental é a razão
técnico-científica, que faz das ciências e das
técnicas não um meio de liberação
dos seres humanos, mas um meio de
intimidação, medo, terror e
desespero. Ao contrário, a razão crítica é aquela que
analisa e interpreta os limites e
os perigos do pensamento instrumental e afirma
que as mudanças sociais,
políticas e culturais só se realizarão verdadeiramente se
tiverem como finalidade a
emancipação do gênero humano e não as idéias de
controle e domínio técnico-científico sobre a
Natureza, a sociedade e a cultura.
Fonte: Chaui, Marilena. Convite à filosofia, Capítulo 5.
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