domingo, 1 de fevereiro de 2015

Os empiristas ingleses



No decorrer da história da Filosofia muitos filósofos defenderam a tese empirista,
mas os mais famosos e conhecidos são os filósofos ingleses dos séculos XVI ao
XVIII, chamados, por isso, de empiristas ingleses: Francis Bacon, John Locke,
George Berkeley e David Hume.
Na verdade, o empirismo é uma característica muito marcante da filosofia
inglesa. Na Idade Média, por exemplo, filósofos importantes como Roger Bacon
e Guilherme de Ockham eram empiristas; em nossos dias, Bertrand Russell foi
um empirista.                                      
Que dizem os empiristas?
Nossos conhecimentos começam com a experiência dos sentidos, isto é, com as
sensações. Os objetos exteriores excitam nossos órgãos dos sentidos e vemos
cores, sentimos sabores e odores, ouvimos sons, sentimos a diferença entre o
áspero e o liso, o quente e o frio, etc.
As sensações se reúnem e formam uma percepção; ou seja, percebemos uma
única coisa ou um único objeto que nos chegou por meio de várias e diferentes
sensações. Assim, vejo uma cor vermelha e uma forma arredondada, aspiro um
perfume adocicado, sinto a maciez e digo: “Percebo uma rosa”. A “rosa” é o
resultado da reunião de várias sensações diferentes num único objeto de
percepção.
As percepções, por sua vez, se combinam ou se associam. A associação pode darse
por três motivos: por semelhança, por proximidade ou contigüidade espacial e
por sucessão temporal. A causa da associação das percepções é a repetição. Ou
seja, de tanto algumas sensações se repetirem por semelhança, ou de tanto se
repetirem no mesmo espaço ou próximas umas das outras, ou, enfim, de tanto se
repetirem sucessivamente no tempo, criamos o hábito de associá-las. Essas
associações são as idéias.
As idéias, trazidas pela experiência, isto é, pela sensação, pela percepção e pelo
hábito, são levadas à memória e, de lá, a razão as apanha para formar os
pensamentos.
A experiência escreve e grava em nosso espírito as idéias, e a razão irá associálas,
combiná-las ou separá-las, formando todos os nossos pensamentos. Por isso,
David Hume dirá que a razão é o hábito de associar idéias, seja por semelhança,
seja por diferença.
O exemplo mais importante (por causa das conseqüências futuras) oferecido por
Hume para mostrar como formamos hábitos racionais é o da origem do princípio
da causalidade (razão suficiente).
A experiência me mostra, todos os dias, que, se eu puser um líquido num
recipiente e levar ao fogo, esse líquido ferverá, saindo do recipiente sob a forma
de vapor. Se o recipiente estiver totalmente fechado e eu o destampar, receberei
um bafo de vapor, como se o recipiente tivesse ficado pequeno para conter o
líquido.
A experiência também me mostra, todo o tempo, que se eu puser um objeto
sólido (um pedaço de vela, um pedaço de ferro) no calor do fogo, não só ele se
derreterá, mas também passará a ocupar um espaço muito maior no interior do
recipiente. A experiência também repete constantemente para mim a
possibilidade que tenho de retirar um objeto preso dentro de um outro, se eu
aquecer este último, pois, aquecido, ele solta o que estava preso no seu interior,
parecendo alargar-se e aumentar de tamanho.
Experiências desse tipo, à medida que vão se repetindo sempre da mesma
maneira, vão criando em mim o hábito de associar o calor com certos fatos.
Adquiro o hábito de perceber o calor e, em seguida, um fato igual ou semelhante
a outros que já percebi inúmeras vezes. E isso me leva a dizer: “O calor é a causa
desses fatos”. Como os fatos são de aumento do volume ou da dimensão dos
corpos submetidos ao calor, acabo concluindo: “O calor é a causa da dilatação
dos corpos” e também “A dilatação dos corpos é o efeito do calor”. É assim, diz
Hume, que nascem as ciências. São elas, portanto, hábito de associar idéias, em
conseqüência das repetições da experiência.
Ora, ao mostrar como se forma o princípio da causalidade, Hume não está
dizendo apenas que as idéias da razão se originam da experiência, mas está
afirmando também que os próprios princípios da racionalidade são derivados da
experiência.
Mais do que isso. A razão pretende, através de seus princípios, seus
procedimentos e suas idéias, alcançar a realidade em seus aspectos universais e
necessários. Em outras palavras, pretende conhecer a realidade tal como é em si
mesma, considerando que o que conhece vale como verdade para todos os
tempos e lugares (universalidade) e indica como as coisas são e como não
poderiam, de modo al gum, ser de outra maneira (necessidade).
Ora, Hume torna impossível tanto a universalidade quanto a necessidade
pretendidas pela razão. O universal é apenas um nome ou uma palavra geral que usamos para nos referirmos à repetição de semelhanças percebidas e associadas.
O necessário é apenas o nome ou uma palavra geral que usamos para nos
referirmos à repetição das percepções sucessivas no tempo. O universal, o
necessário, a causalidade são meros hábitos psíquicos.

Fonte: Chaui, Marilena. Convite à filosofia, Unidade 2, Capítulo 3.

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