segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Principais características da Filosofia nascente

O pensamento filosófico em seu nascimento tinha como traços principais:
? tendência à racionalidade, isto é, a razão e somente a razão, com seus
princípios e regras, é o critério da explicação de alguma coisa;
? tendência a oferecer respostas conclusivas para os problemas, isto é, colocado
um problema, sua solução é submetida à análise, à crítica, à discussão e à
demonstração, nunca sendo aceita como uma verdade, se não for provado
racionalmente que é verdadeira;
? exigência de que o pensamento apresente suas regras de funcionamento, isto é,
o filósofo é aquele que justifica suas ideias provando que segue regras universais
do pensamento. Para os gregos, é uma lei universal do pensamento que a
contradição indica erro ou falsidade. Uma contradição acontece quando afirmo e
nego a mesma coisa sobre uma mesma coisa (por exemplo: “Pedro é um menino
e não um menino”, “A noite é escura e clara”, “O infinito não tem limites e é
limitado”). Assim, quando uma contradição aparecer numa exposição filosófica,
ela deve ser considerada falsa;
? recusa de explicações preestabelecidas e, portanto, exigência de que, para cada
problema, seja investigada e encontrada a solução própria exigida por ele;
? tendência à generalização, isto é, mostrar que uma explicação tem validade
para muitas coisas diferentes porque, sob a variação percebida pelos órgãos de
nossos sentidos, o pensamento descobre semelhanças e identidades.
Por exemplo, para meus olhos, meu tato e meu olfato, o gelo é diferente da
neblina, que é diferente do vapor de uma chaleira, que é diferente da chuva, que é
diferente da correnteza de um rio. No entanto, o pensamento mostra que se trata
sempre de um mesmo elemento (a água), passando por diferentes estados e
formas (líquido, sólido, gasoso), por causas naturais diferentes (condensação,
liquefação, evaporação).
Reunindo semelhanças, o pensamento conclui que se trata de uma mesma coisa
que aparece para nossos sentidos de maneiras diferentes, e como se fossem
coisas diferentes. O pensamento generaliza porque abstrai (isto é, separa e reúne
os traços semelhantes), ou seja, realiza uma síntese.
E o contrário também ocorre. Muitas vezes nossos órgãos dos sentidos nos fazem
perceber coisas diferentes como se fossem a mesma coisa, e o pensamento
demonstrará que se trata de uma coisa diferente sob a aparência da semelhança.
No ano de 1992, no Brasil, os jovens estudantes pintaram a cara com as cores da
bandeira nacional e saíram às ruas para exigir o impedimento do presidente da
República.
Logo depois, os candidatos a prefeituras municipais contrataram jovens para
aparecer na televisão com a cara pintada, defendendo tais candidaturas. A seguir,
as Forças Armadas brasileiras, para persuadir jovens a servi-las, contrataram
jovens caras-pintadas para aparecer como soldados, marinheiros e aviadores. Ao
mesmo tempo, várias empresas, pretendendo vender seus produtos aos jovens,
contrataram artistas jovens para, de cara pintada, fazer a propaganda de seus
produtos.
Aparentemente, teríamos sempre a mesma coisa - os jovens rebeldes e
conscientes, de cara pintada, símbolo da esperança do País. No entanto, o
pensamento pode mostrar que, sob a aparência da semelhança percebida, estão
diferenças, pois os primeiros caras-pintadas fizeram um movimento político
espontâneo, os segundos fizeram propaganda política para um candidato (e
receberam para isso), os terceiros tentaram ajudar as Forças Armadas a aparecer
como divertidas e juvenis, e os últimos, mediante remuneração, estavam
transferindo para produtos industriais (roupas, calçados, vídeos, margarinas,
discos, iogurtes) um símbolo político inteiramente despolitizado e sem nenhuma
relação com sua origem.
Separando as diferenças, o pensamento realiza, nesse caso, uma análise.

Fonte: Chaui, Marilena. Convite à filosofia, Capítulo 2.

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