A verdade como
um valor
“Não se aprende Filosofia, mas a
filosofar”, já disse Kant. A Filosofia não é um
conjunto de idéias e de sistemas
que possamos apreender automaticamente, não é
um passeio turístico pelas
paisagens intelectuais, mas uma decisão ou deliberação
orientada por um valor: a
verdade. É o desejo do verdadeiro que move a Filosofia
e suscita filosofias.
Afirmar que a verdade é um valor
significa: o verdadeiro confere às coisas, aos
seres humanos, ao mundo um
sentido que não teriam se fossem considerados
indiferentes à verdade e à
falsidade.
Ignorância,
incerteza e insegurança
Ignorar é não saber alguma coisa.
A ignorância pode ser tão profunda que sequer
a percebemos ou a sentimos, isto
é, não sabemos que não sabemos, não sabemos
que ignoramos. Em geral, o estado
de ignorância se mantém em nós enquanto as
crenças e opiniões que possuímos
para viver e agir no mundo se conservam como
eficazes e úteis, de modo que não
temos nenhum motivo para duvidar delas,
nenhum motivo para desconfiar
delas e, conseqüentemente, achamos que
sabemos tudo o que há para saber.
A incerteza é diferente da
ignorância porque, na incerteza, descobrimos que
somos ignorantes, que nossas
crenças e opiniões parecem não dar conta da
realidade, que há falhas naquilo
em que acreditamos e que, durante muito tempo,
nos serviu como referência para
pensar e agir. Na incerteza não sabemos o que
pensar, o que dizer ou o que
fazer em certas situações ou diante de certas coisas,
pessoas, fatos, etc. Temos
dúvidas, ficamos cheios de perplexidade e somos
tomados pela insegurança.
Outras vezes, estamos confiantes
e seguros e, de repente, vemos ou ouvimos
alguma coisa que nos enche de
espanto e de admiração, não sabemos o que
pensar ou o que fazer com a
novidade do que vimos ou ouvimos porque as
crenças, opiniões e idéias que
possuímos não dão conta do novo. O espanto e a
admiração, assim como antes a
dúvida e a perplexidade, nos fazem querer saber o
que não sabemos, nos fazem querer
sair do estado de insegurança ou de
encantamento, nos fazem perceber
nossa ignorância e criam o desejo de superar a
incerteza.
Quando isso acontece, estamos na
disposição de espírito chamada busca da
verdade.
O desejo da verdade aparece muito
cedo nos seres humanos como desejo de
confiar nas coisas e nas pessoas,
isto é, de acreditar que as coisas são exatamente
tais como as percebemos e o que
as pessoas nos dizem é digno de confiança e
crédito. Ao mesmo tempo, nossa
vida cotidiana é feita de pequenas e grandes
decepções e, por isso, desde
cedo, vemos as crianças perguntarem aos adultos se
tal ou qual coisa “é de verdade
ou é de mentira”.
Quando uma criança ouve uma
história, inventa uma brincadeira ou um
brinquedo, quando joga, vê um
filme ou uma peça teatral, está sempre atenta para
saber se “é de verdade ou de
mentira”, está sempre atenta para a diferença entre o
“de mentira” e a mentira
propriamente dita, isto é, para a diferença entre brincar,
jogar, fingir e faltar à
confiança.
Quando uma criança brinca, joga e
finge, está criando um outro mundo, mais rico
e mais belo, mais cheio de
possibilidades e invenções do que o mundo onde, de
fato, vive. Mas sabe, mesmo que
não formule explicitamente tal saber, que há
uma diferença entre imaginação e
percepção, ainda que, no caso infantil, essa
diferença seja muito tênue, muito
leve, quase imperceptível – tanto assim, que a
criança acredita em mundos e
seres maravilhosos como parte do mundo real de
sua vida.
Por isso mesmo, a criança é muito
sensível à mentira dos adultos, pois a mentira
é diferente do “de mentira”, isto
é, a mentira é diferente da imaginação e a
criança se sente ferida, magoada,
angustiada quando o adulto lhe diz uma
mentira, porque, ao fazê-lo,
quebra a relação de confiança e a segurança infantis.
Quando crianças, estamos sujeitos
a duas decepções: a de que os seres, as coisas,
os mundos maravilhosos não
existem “de verdade” e a de que os adultos podem
dizer-nos falsidades e nos
enganar. Essa dupla decepção pode acarretar dois
resultados opostos: ou a criança
se recusa a sair do mundo imaginário e sofre
com a realidade como alguma coisa
ruim e hostil a ela; ou, dolorosamente, aceita
a distinção, mas também se torna
muito atenta e desconfiada diante da palavra
dos adultos. Nesse segundo caso,
a criança também se coloca na disposição da
busca da verdade.
Nessa busca, a criança pode
desejar um mundo melhor e mais belo que aquele
em que vive e encontrar a verdade
nas obras de arte, desejando ser artista
também. Ou pode desejar saber
como e por que o mundo em que vive é tal como
é e se ele poderia ser diferente
ou melhor do que é. Nesse caso, é despertado nela
o desejo de conhecimento
intelectual e o da ação transformadora.
A criança não se decepciona nem
se desilude com o “faz-de-conta” porque sabe
que é um “faz-de-conta”. Ela se
decepciona ou se desilude quando descobre que
querem que acredite como sendo “de
verdade” alguma coisa que ela sabe ou que ela supunha que fosse “de
faz-de-conta”, isto é, decepciona-se e desilude-se
quando descobre a mentira. Os
jovens se decepcionam e se desiludem quando
descobrem que o que lhes foi
ensinado e lhes foi exigido oculta a realidade,
reprime sua liberdade, diminui
sua capacidade de compreensão e de ação. Os
adultos se desiludem ou se
decepcionam quando enfrentam situações para as
quais o saber adquirido, as
opiniões estabelecidas e as crenças enraizadas em
suas consciências não são
suficientes para que compreendam o que se passa nem
para que possam agir ou fazer
alguma coisa.
Assim, seja na criança, seja nos
jovens ou nos adultos, a busca da verdade está
sempre ligada a uma decepção, a
uma desilusão, a uma dúvida, a uma
perplexidade, a uma insegurança
ou, então, a um espanto e uma admiração diante
de algo novo e insólito.
Fonte: Chaui, Marilena. Convite à filosofia, Unidade 3, Capítulo 1.
Queria gostar de filosofia,sempre me da sono quando leio
ResponderExcluirHaha Eu era assim também, aí eu comecei lendo uns textos pequenos e fui me interessando cada vez mais pela filosofia!
ExcluirObrigada pela visita e pelo comentário, volte sempre! :)
Legião Urbana também curto muito!
ResponderExcluirAmooo Legião Urbana! :D
ExcluirObrigada pela visita e pelo comentário, volte sempre! :)
Em algum momento da sua vida,de alguma forma, você já se viu como alguém ignorante?
ResponderExcluirJá me vi ignorante quando percebi que todas as verdades da vida não são reais.
ExcluirEee porquê?
Excluiradorei seu site pq toca legião urbanes
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