A atitude dogmática é
conservadora, isto é, sente receio das novidades, do
inesperado, do desconhecido e de
tudo o que possa desequilibrar as crenças e
opiniões já constituídas. Esse
conservadorismo se transforma em preconceito,
isto é, em idéias preconcebidas
que impedem até mesmo o contato com tudo
quanto possa pôr em perigo o já
sabido, o já dito e o já feito.
O conservadorismo pode aumentar
ainda mais quando o dogmatismo estiver
convencido de que várias de suas
opiniões e crenças vieram de uma fonte
sagrada, de uma revelação divina
incontestável e incontestada, de tal modo que
situações que tornem
problemáticas tais crenças são afastadas como inaceitáveis
e perigosas; aqueles que ousam
enfrentar essas crenças e opiniões são tidos como
criminosos, blasfemadores e
heréticos.
No romance de Umberto Eco, O
nome da rosa, uma série de assassinatos
misteriosos acontecem e todos os
mortos trazem um mesmo sinal, a língua
enegrecida e dois dedos da mão
direita – o polegar e o indicador – também
enegrecidos. O monge Guilherme de
Baskerville descobre que todos os
assassinados eram frades
encarregados de copiar e ilustrar manuscritos de uma
biblioteca; todos eles haviam
manuseado um mesmo livro no qual havia algo que
funcionava como veneno (ao molhar
os dedos com saliva para virar as páginas do
livro, os copistas eram
envenenados).
Guilherme descobre que o livro
era uma obra perdida de Aristóteles sobre a
comédia e a importância do riso
para a vida humana. Descobre também que um
dos monges, Jorge de Burgos,
guardião da biblioteca, julgara que o riso é
contrário à vontade de Deus, um
pecado que merece a morte, pois viemos ao
mundo para sofrer a culpa
original de Adão. Por isso, assassinou por
envenenamento os copistas que
ousaram ler o livro e, ao final, queima a
biblioteca para que o livro seja destruído.
Nesse romance, duas idéias acerca
da verdade se enfrentam: a verdade humana,
que estaria contida no livro do
filósofo Aristóteles, e a verdade divina, que o
bibliotecário julga estar na
proibição do riso e da alegria para os humanos
pecadores, que vieram à Terra
para o sofrimento. Em nome dessa segunda
verdade, Jorge de Burgos matou
outros seres humanos e queimou livros escritos
por seres humanos, pois, para
ele, uma verdade revelada por Deus é a única
verdade e tudo quanto querem e pensam
os humanos, se for contrário à verdade
divina, é erro e falsidade, crime
e blasfêmia.
Esse conflito entre verdades
reveladas e verdades alcançadas pelos humanos
através do exercício da
inteligência e da razão tem sido também uma questão que
preocupa a Filosofia, desde o
surgimento do Cristianismo. Podemos conhecer as
verdades divinas? Se não pudermos
conhecê-las, seremos culpados? Mas, como
seríamos culpados por não
conhecer aquilo que nosso intelecto, por ser pequeno
e menor do que o de Deus, não teria forças para
alcançar? Fonte: Chaui, Marilena. Convite à filosofia, Unidade 3, Capítulo 2. (pág. 121 a 122)
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