Existem diferentes concepções
filosóficas sobre a natureza do conhecimento
verdadeiro, dependendo de qual
das três idéias originais da verdade predomine
no pensamento de um ou de alguns
filósofos.
Assim, quando predomina a aletheia,
considera-se que a verdade está nas
próprias coisas ou na própria
realidade e o conhecimento verdadeiro é a
percepção intelectual e racional
dessa verdade. A marca do conhecimento
verdadeiro é a evidência,
isto é, a visão intelectual e racional da realidade tal
como é em si mesma e alcançada
pelas operações de nossa razão ou de nosso
intelecto. Uma idéia é verdadeira
quando corresponde à coisa que é seu
conteúdo e que existe fora de
nosso espírito ou de nosso pensamento. A teoria da
evidência e da correspondência
afirma que o critério da verdade é a adequação
do nosso
intelecto à coisa, ou da coisa ao nosso intelecto.
Quando predomina a veritas,
considera-se que a verdade depende do rigor e da
precisão na criação e no uso de
regras de linguagem, que devem exprimir, ao
mesmo tempo, nosso pensamento ou
nossas idéias e os acontecimentos ou fatos
exteriores a nós e que nossas
idéias relatam ou narram em nossa mente.
Agora, não se diz que uma coisa é
verdadeira porque corresponde a uma
realidade externa, mas se diz que
ela corresponde à realidade externa porque é
verdadeira. O critério da verdade
é dado pela coerência interna ou pela
coerência lógica
das
idéias e das cadeias de idéias que formam um raciocínio,
coerência que depende da
obediência às regras e leis dos enunciados corretos. A
marca do verdadeiro é a validade
lógica de seus argumentos.
Finalmente, quando predomina a emunah,
considera-se que a verdade depende de
um acordo ou de um pacto de
confiança entre os pesquisadores, que definem um
conjunto de convenções
universais sobre o conhecimento verdadeiro e que
devem sempre ser respeitadas por
todos. A verdade se funda, portanto, no consenso e na confiança
recíproca entre os membros de uma comunidade de
pesquisadores e estudiosos.
O consenso se estabelece baseado
em três princípios que serão respeitados por
todos:
1. que somos seres racionais e
nosso pensamento obedece aos quatro princípios
da razão (identidade,
não-contradição, terceiro-excluído e razão suficiente ou
causalidade);
2. que somos seres dotados de
linguagem e que ela funciona segundo regras
lógicas convencionadas e aceitas
por uma comunidade;
3. que os resultados de uma
investigação devem ser submetidos à discussão e
avaliação pelos membros da
comunidade de investigadores que lhe atribuirão ou
não o valor de verdade.
Existe ainda uma quarta teoria da
verdade que se distingue das anteriores porque
define o conhecimento verdadeiro
por um critério que não é teórico e sim prático.
Trata-se da teoria pragmática,
para a qual um conhecimento é verdadeiro por
seus resultados e suas aplicações
práticas, sendo verificado pela experimentação
e pela experiência. A marca do
verdadeiro é a verificabilidade dos resultados.
Essa concepção da verdade está
muito próxima da teoria da correspondência
entre coisa e idéia (aletheia),
entre realidade e pensamento, que julga que o
resultado prático, na maioria das
vezes, é conseguido porque o conhecimento
alcançou as próprias coisas e
pode agir sobre elas.
Em contrapartida, a teoria da
convenção ou do consenso (emunah) está mais
próxima da teoria da coerência
interna (veritas), pois as convenções ou consensos
verdadeiros costumam ser baseados
em princípios e argumentos lingüísticos e
lógicos, princípios e argumentos
da linguagem, do discurso e da comunicação.
Na primeira teoria (aletheia/correspondência),
as coisas e as idéias são
consideradas verdadeiras ou
falsas; na segunda (veritas/coerência) e na terceira
(emunah/consenso), os
enunciados, os argumentos e as idéias é que são julgados
verdadeiros ou falsos; na quarta
(pragmática), são os resultados que recebem a
denominação de verdadeiros ou
falsos.
Na primeira e na quarta teoria, a
verdade é o acordo entre o pensamento e a
realidade. Na segunda e na
terceira teoria, a verdade é o acordo do pensamento e
da linguagem consigo mesmos, a
partir de regras e princípios que o pensamento e
a linguagem deram a si mesmos, em
conformidade com sua natureza própria, que
é a mesma para todos os seres
humanos (ou definida como a mesma para todos
por um consenso).
Fonte: Chaui, Marilena. Convite à filosofia, Unidade 3, Capítulo 3. (pág. 124 a 125)
Nenhum comentário:
Postar um comentário