A intuição é uma compreensão
global e instantânea de uma verdade, de um
objeto, de um fato. Nela, de uma
só vez, a razão capta todas as relações que
constituem a realidade e a
verdade da coisa intuída. É um ato intelectual de
discernimento e compreensão,
como, por exemplo, tem um médico quando faz
um diagnóstico e apreende de uma
só vez a doença, sua causa e o modo de tratála.
Os psicólogos se referem à
intuição usando o termo insight, para referirem-se
ao momento em que temos uma
compreensão total, direta e imediata de alguma
coisa, ou o momento em que
percebemos, num só lance, um caminho para a
solução de um problema
científico, filosófico ou vital.
Um exemplo de intuição pode ser
encontrado no romance de Guimarães Rosa,
Grande Sertão:
Veredas.
Riobaldo e Diadorim são dois jagunços ligados pela
mais profunda amizade e lealdade,
companheiros de lutas e cumpridores de uma
vingança de sangue contra os
assassinos da família de Diadorim. Riobaldo,
porém, sente-se cheio de angústia
e atormentado, pois seus sentimentos por
Diadorim são confusos, como se
entre eles houvesse muito mais do que a
amizade. Diadorim é assassinado.
Quando o corpo é trazido para ser preparado
para o funeral, Riobaldo descobre
que Diadorim era mulher. De uma só vez, num só lance, Riobaldo compreende tudo
o que sentia, todos os fatos acontecidos
entre eles, todas as conversas
que haviam tido, todos os gestos estranhos de
Diadorim e compreende,
instantaneamente, a verdade: estivera apaixonado por
Diadorim.
A razão intuitiva pode ser de
dois tipos: intuição sensível ou empírica e
intuição
intelectual .
1. A intuição
sensível ou empírica (do grego, empeiria: experiência
sensorial) é
o conhecimento que temos a todo o
momento de nossa vida. Assim, com um só
olhar ou num só ato de visão
percebemos uma casa, um homem, uma mulher,
uma flor, uma mesa. Num só ato,
por exemplo, capto que isto é uma flor: vejo
sua cor e suas pétalas, sinto a
maciez de sua textura, aspiro seu perfume, tenho-a
por inteiro e de uma só vez
diante de mim.
A intuição empírica é o
conhecimento direto e imediato das qualidades sensíveis
do objeto externo: cores,
sabores, odores, paladares, texturas, dimensões,
distâncias. É também o
conhecimento direto e imediato de estados internos ou
mentais: lembranças, desejos,
sentimentos, imagens.
A intuição sensível ou empírica é
psicológica, isto é, refere-se aos estados do
sujeito do conhecimento enquanto
um ser corporal e psíquico individual -
sensações, lembranças, imagens,
sentimentos, desejos e percepções são
exclusivamente pessoais.
Assim, a marca da intuição
empírica é sua singularidade: por um lado, está ligada
à singularidade do objeto intuído
(ao “isto” oferecido à sensação e à percepção)
e, por outro, está ligada à
singularidade do sujeito que intui (aos “meus” estados
psíquicos, às “minhas”
experiências). A intuição empírica não capta o objeto em
sua universalidade e a
experiência intuitiva não é transferível para um outro
objeto. Riobaldo teve uma
intuição empírica.
2. A intuição
intelectual difere da sensível justamente por sua universalidade e
necessidade. Quando penso: “Uma
coisa não pode ser e não ser ao mesmo
tempo”, sei, sem necessidade de
provas ou demonstrações, que isto é verdade.
Ou seja, tenho conhecimento
intuitivo do princípio da contradição. Quando digo:
“O amarelo é diferente do azul”,
sei, sem necessidade de provas e
demonstrações, que há diferenças.
Vejo, na intuição sensível, a cor amarela e a
cor azul, mas vejo, na intuição
intelectual, a diferença entre cores. Quando
afirmo: “O todo é maior do que as
partes”, sei, sem necessidade de provas e
demonstrações, que isto é
verdade, porque intuo uma forma necessária de relação
entre as coisas.
A intuição intelectual é o
conhecimento direto e imediato dos princípios da razão
(identidade, contradição,
terceiro excluído, razão suficiente), das relações
necessárias entre os seres ou
entre as idéias, da verdade de uma idéia ou de um
ser.
Na história da Filosofia, o
exemplo mais célebre de intuição intelectual é
conhecido como o cogito cartesiano,
isto é, a afirmação de Descartes: “Penso
(cogito), logo existo”. De
fato, quando penso, sei que estou pensando e não é
preciso provar ou demonstrar
isso, mesmo porque provar e demonstrar é pensar e
para demonstrar e provar é
preciso, primeiro, pensar e saber que se pensa.
Quando digo: “Penso, logo existo”,
estou simplesmente afirmando racionalmente
que sei que sou um ser pensante
ou que existo pensando, sem necessidade de
provas e demonstrações. A
intuição capta, num único ato intelectual, a verdade
do pensamento pensando em si
mesmo.
Um outro exemplo de intuição
intelectual é oferecido pela fenomenologia, criada
por Husserl. Trata-se da intuição
intelectual de essências ou significações. Toda
consciência, diz Husserl, é
sempre “consciência de ” ou consciência de alguma
coisa, isto é, toda consciência é
um ato pelo qual visamos um objeto, um fato,
uma idéia. A consciência representa
os objetos, os fatos, as pessoas. Cada
representação pode ser obtida por
um passeio ou um percurso que nossa
consciência faz à volta de um
objeto. Essas várias representações são
psicológicas e individuais, e o
objeto delas, o representado, também é individual
ou singular.
Por exemplo, diz Husserl, quando
quero pensar em alguém, como Napoleão,
posso representá-lo ganhando a
batalha de Waterloo, prisioneiro na ilha de Elba e
na ilha de Santa Helena, montado
em seu cavalo branco, usando o chapéu de três
pontas e com a mão direita
enfiada na túnica.
Cada uma dessas representações é
singular: por um lado, cada uma delas é um
ato psicológico singular que eu
realizo (um ato de lembrar, um ato de ver a
imagem de Napoleão num quadro, um
ato de ler sobre ele num livro, etc.) e, por
outro, cada uma delas possui um
representante singular (Napoleão a cavalo,
Napoleão na batalha de Waterloo,
Napoleão fugindo de Elba, etc.). No entanto,
embora sejam singulares e
distintas umas das outras, todas possuem o mesmo
representado, o mesmo
significado, a mesma significação ou a mesma essência:
Napoleão.
Quando colocamos de lado a
singularidade psicológica de cada uma de nossas
representações e a singularidade
de cada um dos representantes, ficando apenas
com a idéia ou significação
“Napoleão”, como uma universalidade ou
generalidade, temos uma intuição
da essência “Napoleão”. A intuição da
essência é a apreensão
intelectual imediata e direta de uma significação, deixando
de lado as particularidades dos
representantes que indicam empiricamente a
significação. É assim que tenho
intuição intelectual da essência ou significação
“triângulo”, “imaginação ”, “memória”,
“natureza”, “cor”, “diferença”, “Europa”,
“pintura”, “literatura”, “tempo”,
“espaço”, “coisa”, “quantidade ”, “qualidade”,
etc. Intuímos idéias.
Fala-se também de uma intuição
emotiva ou valorativa. Trata-se daquela
intuição na qual, juntamente com
o sentido ou significação de alguma coisa,
captamos também seu valor,
isto é, com a idéia intuímos também se a coisa ou
essência é verdadeira ou falsa,
bela ou feia, boa ou má, justa ou injusta, possível
ou impossível, etc. Ou seja, a
intuição intelectual capta a essência do objeto (o
que ele é) e a intuição emotiva
ou valorativa capta essa essência pelo que o
objeto vale. Fonte: Chaui, Marilena. Convite à filosofia, Unidade 2, Capítulo 2.
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