Na cultura da chamada sociedade
ocidental, a palavra razão origina-se de duas
fontes: a palavra latina ratio
e a palavra grega logos. Essas duas palavras são
substantivos derivados de dois
verbos que têm um sentido muito parecido em
latim e em grego.
Logos vem do verbo legein,
que quer dizer: contar, reunir, juntar, calcular. Ratio
vem do verbo reor, que
quer dizer: contar, reunir, medir, juntar, separar, calcular.
Que fazemos quando medimos,
juntamos, separamos, contamos e calculamos?
Pensamos de modo ordenado. E de
que meios usamos para essas ações? Usamos
palavras (mesmo quando usamos
números estamos usando palavras, sobretudo os
gregos e os romanos, que usavam
letras para indicar números).
Por isso, logos, ratio ou
razão significam pensar e falar ordenadamente, com
medida e proporção, com clareza e
de modo compreensível para outros. Assim,
na origem, razão é a capacidade
intelectual para pensar e exprimir-se correta e
claramente, para pensar e dizer
as coisas tais como são. A razão é uma maneira
de organizar a realidade pela
qual esta se torna compreensível. É, também, a
confiança de que podemos ordenar
e organizar as coisas porque são organizáveis,
ordenáveis, compreensíveis nelas
mesmas e por elas mesmas, isto é, as próprias
coisas são racionais.
Desde o começo da Filosofia, a
origem da palavra razão fez com que ela fosse
considerada oposta a quatro
outras atitudes mentais:
1. ao conhecimento
ilusório, isto é, ao conhecimento da mera aparência das
coisas que não alcança a
realidade ou a verdade delas; para a razão, a ilusão
provém de nossos costumes, de
nossos preconceitos, da aceitação imediata das
coisas tais como aparecem e tais
como parecem ser. As ilusões criam as opiniões
que variam de pessoa para pessoa
e de sociedade para sociedade. A razão se opõe
à mera opinião;
2. às emoções, aos
sentimentos, às paixões, que são cegas, caóticas,
desordenadas, contrárias umas às
outras, ora dizendo “sim” a alguma coisa, ora
dizendo “não” a essa mesma coisa,
como se não soubéssemos o que queremos e
o que as coisas são. A razão é
vista como atividade ou ação (intelectual e da
vontade) oposta à paixão ou à
passividade emocional;
3. à crença
religiosa, pois, nesta, a verdade nos é dada pela fé numa revelação
divina, não dependendo do
trabalho de conhecimento realizado pela nossa
inteligência ou pelo nosso
intelecto. A razão é oposta à revelação e por isso os
filósofos cristãos distinguem a
luz natural - a razão - da luz sobrenatural - a
revelação;
4. ao êxtase
místico, no qual o espírito mergulha nas profundezas do divino e
participa dele, sem qualquer
intervenção do intelecto ou da inteligência, nem da
vontade. Pelo contrário, o êxtase
místico exige um estado de abandono, de
rompimento com a atividade
intelectual e com a vontade, um rompimento com o
estado consciente, para
entregar-se à fruição do abismo infinito. A razão ou
consciência se opõe à inconsciência do êxtase.
Fonte: Chaui, Marilena. Convite à filosofia, Unidade 2, Capítulo 1.
Muito bom. Obrigado pela síntese.
ResponderExcluir