segunda-feira, 6 de abril de 2015

A Verdade - Ignorância e Verdade



A verdade como um valor
“Não se aprende Filosofia, mas a filosofar”, já disse Kant. A Filosofia não é um
conjunto de idéias e de sistemas que possamos apreender automaticamente, não é
um passeio turístico pelas paisagens intelectuais, mas uma decisão ou deliberação
orientada por um valor: a verdade. É o desejo do verdadeiro que move a Filosofia
e suscita filosofias.
Afirmar que a verdade é um valor significa: o verdadeiro confere às coisas, aos
seres humanos, ao mundo um sentido que não teriam se fossem considerados
indiferentes à verdade e à falsidade.
Ignorância, incerteza e insegurança
Ignorar é não saber alguma coisa. A ignorância pode ser tão profunda que sequer
a percebemos ou a sentimos, isto é, não sabemos que não sabemos, não sabemos
que ignoramos. Em geral, o estado de ignorância se mantém em nós enquanto as
crenças e opiniões que possuímos para viver e agir no mundo se conservam como
eficazes e úteis, de modo que não temos nenhum motivo para duvidar delas,
nenhum motivo para desconfiar delas e, conseqüentemente, achamos que
sabemos tudo o que há para saber.
A incerteza é diferente da ignorância porque, na incerteza, descobrimos que
somos ignorantes, que nossas crenças e opiniões parecem não dar conta da
realidade, que há falhas naquilo em que acreditamos e que, durante muito tempo,
nos serviu como referência para pensar e agir. Na incerteza não sabemos o que
pensar, o que dizer ou o que fazer em certas situações ou diante de certas coisas,
pessoas, fatos, etc. Temos dúvidas, ficamos cheios de perplexidade e somos
tomados pela insegurança.
Outras vezes, estamos confiantes e seguros e, de repente, vemos ou ouvimos
alguma coisa que nos enche de espanto e de admiração, não sabemos o que
pensar ou o que fazer com a novidade do que vimos ou ouvimos porque as
crenças, opiniões e idéias que possuímos não dão conta do novo. O espanto e a
admiração, assim como antes a dúvida e a perplexidade, nos fazem querer saber o
que não sabemos, nos fazem querer sair do estado de insegurança ou de
encantamento, nos fazem perceber nossa ignorância e criam o desejo de superar a
incerteza.
Quando isso acontece, estamos na disposição de espírito chamada busca da
verdade.
O desejo da verdade aparece muito cedo nos seres humanos como desejo de
confiar nas coisas e nas pessoas, isto é, de acreditar que as coisas são exatamente
tais como as percebemos e o que as pessoas nos dizem é digno de confiança e
crédito. Ao mesmo tempo, nossa vida cotidiana é feita de pequenas e grandes
decepções e, por isso, desde cedo, vemos as crianças perguntarem aos adultos se
tal ou qual coisa “é de verdade ou é de mentira”.
Quando uma criança ouve uma história, inventa uma brincadeira ou um
brinquedo, quando joga, vê um filme ou uma peça teatral, está sempre atenta para
saber se “é de verdade ou de mentira”, está sempre atenta para a diferença entre o
“de mentira” e a mentira propriamente dita, isto é, para a diferença entre brincar,
jogar, fingir e faltar à confiança.
Quando uma criança brinca, joga e finge, está criando um outro mundo, mais rico
e mais belo, mais cheio de possibilidades e invenções do que o mundo onde, de
fato, vive. Mas sabe, mesmo que não formule explicitamente tal saber, que há
uma diferença entre imaginação e percepção, ainda que, no caso infantil, essa
diferença seja muito tênue, muito leve, quase imperceptível – tanto assim, que a
criança acredita em mundos e seres maravilhosos como parte do mundo real de
sua vida.
Por isso mesmo, a criança é muito sensível à mentira dos adultos, pois a mentira
é diferente do “de mentira”, isto é, a mentira é diferente da imaginação e a
criança se sente ferida, magoada, angustiada quando o adulto lhe diz uma
mentira, porque, ao fazê-lo, quebra a relação de confiança e a segurança infantis.
Quando crianças, estamos sujeitos a duas decepções: a de que os seres, as coisas,
os mundos maravilhosos não existem “de verdade” e a de que os adultos podem
dizer-nos falsidades e nos enganar. Essa dupla decepção pode acarretar dois
resultados opostos: ou a criança se recusa a sair do mundo imaginário e sofre
com a realidade como alguma coisa ruim e hostil a ela; ou, dolorosamente, aceita
a distinção, mas também se torna muito atenta e desconfiada diante da palavra
dos adultos. Nesse segundo caso, a criança também se coloca na disposição da
busca da verdade.
Nessa busca, a criança pode desejar um mundo melhor e mais belo que aquele
em que vive e encontrar a verdade nas obras de arte, desejando ser artista
também. Ou pode desejar saber como e por que o mundo em que vive é tal como
é e se ele poderia ser diferente ou melhor do que é. Nesse caso, é despertado nela
o desejo de conhecimento intelectual e o da ação transformadora.
A criança não se decepciona nem se desilude com o “faz-de-conta” porque sabe
que é um “faz-de-conta”. Ela se decepciona ou se desilude quando descobre que
querem que acredite como sendo “de verdade” alguma coisa que ela sabe ou que ela supunha que fosse “de faz-de-conta”, isto é, decepciona-se e desilude-se
quando descobre a mentira. Os jovens se decepcionam e se desiludem quando
descobrem que o que lhes foi ensinado e lhes foi exigido oculta a realidade,
reprime sua liberdade, diminui sua capacidade de compreensão e de ação. Os
adultos se desiludem ou se decepcionam quando enfrentam situações para as
quais o saber adquirido, as opiniões estabelecidas e as crenças enraizadas em
suas consciências não são suficientes para que compreendam o que se passa nem
para que possam agir ou fazer alguma coisa.
Assim, seja na criança, seja nos jovens ou nos adultos, a busca da verdade está
sempre ligada a uma decepção, a uma desilusão, a uma dúvida, a uma
perplexidade, a uma insegurança ou, então, a um espanto e uma admiração diante
de algo novo e insólito.


Fonte: Chaui, Marilena. Convite à filosofia, Unidade 3, Capítulo 1. 

8 comentários:

  1. Queria gostar de filosofia,sempre me da sono quando leio

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    1. Haha Eu era assim também, aí eu comecei lendo uns textos pequenos e fui me interessando cada vez mais pela filosofia!

      Obrigada pela visita e pelo comentário, volte sempre! :)

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  2. Respostas
    1. Amooo Legião Urbana! :D

      Obrigada pela visita e pelo comentário, volte sempre! :)

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  3. Em algum momento da sua vida,de alguma forma, você já se viu como alguém ignorante?

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  4. adorei seu site pq toca legião urbanes

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