sábado, 22 de novembro de 2014

Dois relatos míticos



Costumamos dizer que a filosofia é grega, por ter nascido nas colônias gregas no século VI a.C. E antes da filosofia, que tipos de pensamentos ocupavam a mente das pessoas?
   Vamos primeiro examinar o mito, modo de consciência que predomina nas sociedades tribais e que nas civilizações da Antiguidade ainda exerceu significativa influência. Ao contrário, porém, do que muitos supõem, o mito não desapareceu com o tempo. Está presente até hoje, permeando nossas esperanças e temores.
   Entre os povos indígenas habitantes das terras brasileiras, encontramos várias versões sobre a origem da noite. Um desses relatos é o dos maué, nativos dos rios Tapajós e Madeira. Segundo eles, no início só havia o dia. Cansados da luz, foram ao encontro da Cobra-Grande, a dona da noite. Ela atendeu ao pedido com a condição de que os indígenas lhe dessem o veneno com que pequenos animais como aranhas, cobras e escorpiões se protegiam. Em troca, receberam um coco com a recomendação de só abri-lo ao chegarem à maloca. Ao ouvirem ruídos estranhos saindo dele, não resistiram à tentação e assim deixaram escapar antecipadamente a escuridão da noite. Atônitos e perdidos, pisaram nos pequenos bichos, cujas picadas venenosas mataram muitos deles. Desde então, os sobreviventes aprenderam os cuidados que deveriam tomar quando a noite viesse.
   De modo semelhante aos maué, os gregos dos tempos homéricos narram o mito de Pandora, a primeira mulher. Em uma das muitas versões desse mito, Zeus enviou um presente aos humanos, mas com a intenção de puni-los por terem recebido o fogo do titã Prometeu, que o roubara dos Céus. Pandora levava consigo uma caixa, que abriu por curiosidade, deixando escapar todos os males que afligem a humanidade. Conseguiu, porém, fechá-la a tempo de reter a esperança, única maneira de suportarmos as dores e os sofrimentos da vida.
   Nos dois relatos, percebemos situações aparentemente diversas, mas que se assemelham, pois ambos tratam da origem de algo: entre os indígenas, como surgiu a noite; e entre os gregos, a origem dos males. E trazem como consequências dificuldades que as pessoas devem enfrentar.
   A leitura apressada do mito nos leva a compreendê-lo como maneira fantasiosa de explicar a realidade, quando esta ainda não foi justificada pela razão. Sob esse enfoque, os mitos seriam lendas, fábulas, crendices e, portanto, um tipo inferior de conhecimento, a ser superado por explicações mais racionais. Tanto é que, na linguagem comum, costuma-se identificar o mito à mentira.

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