domingo, 4 de janeiro de 2015

A maioridade da razão



No século XIX, o otimismo filosófico levava a Filosofia a afirmar que, enfim, os
seres humanos haviam alcançado a maioridade racional, e que a razão se
desenvolvia plenamente para que o conhecimento completo da realidade e das
ações humanas fosse atingido.
No entanto, Marx, no final do século XIX, e Freud, no início do século XX,
puseram em questão esse otimismo racionalista. Marx e Freud, cada qual em seu
campo de investigação e cada qual voltado para diferentes aspectos da ação
humana - Marx, voltado para a economia e a política; Freud, voltado para as
perturbações e os sofrimentos psíquicos -, fizeram descobertas que, até agora,
continuam impondo questões filosóficas. Que descobriram eles?
Marx descobriu que temos a ilusão de estarmos pensando e agindo com nossa
própria cabeça e por nossa própria vontade, racional e livremente, de acordo com
nosso entendimento e nossa liberdade, porque desconhecemos um poder invisível
que nos força a pensar como pensamos e agir como agimos. A esse poder - que é
social - ele deu o nome de ideologia.
Freud, por sua vez, mostrou que os seres humanos têm a ilusão de que tudo
quanto pensam, fazem, sentem e desejam, tudo quanto dizem ou calam estaria
sob o controle de nossa consciência porque desconhecemos a existência de uma
força invisível, de um poder - que é psíquico e social - que atua sobre nossa
consciência sem que ela o saiba. A esse poder que domina e controla invisível e
profundamente nossa vida consciente, ele deu o nome de inconsciente.
Diante dessas duas descobertas, a Filosofia se viu forçada a reabrir a discussão
sobre o que é e o que pode a razão, sobre o que é e o que pode a consciência
reflexiva ou o sujeito do conhecimento, sobre o que são e o que podem as
aparências e as ilusões.
Ao mesmo tempo, a Filosofia teve que reabrir as discussões éticas e morais: O
homem é realmente livre ou é inteiramente condicionado pela sua situação
psíquica e histórica? Se for inteiramente condicionado, então a História e a
cultura são causalidades necessárias como a Natureza? Ou seria mais correto
indagar: Como os seres humanos conquistam a liberdade em meio a todos os
condicionamentos psíquicos, históricos, econômicos, culturais em que vivem?

Fonte: Chaui, Marilena. Convite à filosofia, Capítulo 5.

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