sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Inatismo cartesiano


Descartes discute a teoria das idéias inatas em várias de suas obras, mas as
exposições mais conhecidas encontram-se em duas delas: no Discurso do método
e nas Meditações metafísicas.
Nelas, Descartes mostra que nosso espírito possui três tipos de idéias que se
diferenciam segundo sua origem e qualidade:
1. Idéias adventícias (isto é, vindas de fora): são aquelas que se originam de
nossas sensações, percepções, lembranças; são as idéias que nos vêm por termos
tido a experiência sensorial ou sensível das coisas a que se referem. Por exemplo, a idéia de árvore, de pássaro, de instrumentos musicais, etc. São nossas idéias
cotidianas e costumeiras, geralmente enganosas ou falsas, isto é, não
correspondem à realidade das próprias coisas.
Assim, andando à noite por uma floresta, vejo fantasmas. Quando raia o dia,
descubro que eram galhos retorcidos de árvores que se mexiam sob o vento. Olho
para o céu e vejo, pequeno, o Sol. Acredito, então, que é menor do que a Terra,
até que os astrônomos provem racionalmente que ele é muito maior do que ela.
2. Idéias fictícias: são aquelas que criamos em nossa fantasia e imaginação,
compondo seres inexistentes com pedaços ou partes de idéias adventícias que
estão em nossa memória. Por exemplo, cavalo alado, fadas, elfos, duendes,
dragões, Super-Homem, etc. São as fabulações das artes, da literatura, dos contos
infantis, dos mitos, das superstições.
Essas idéias nunca são verdadeiras, pois não correspondem a nada que exista
realmente e sabemos que foram inventadas por nós, mesmo quando as recebemos
já prontas de outros que as inventaram.
3. Idéias inatas: são aquelas que não poderiam vir de nossa experiência sensorial
porque não há objetos sensoriais ou sensíveis para elas, nem poderiam vir de
nossa fantasia, pois não tivemos experiência sensorial para compô-las a partir de
nossa memória.
As idéias inatas são inteiramente racionais e só podem existir porque já nascemos
com elas. Por exemplo, a idéia do infinito (pois não temos qualquer experiência
do infinito), as idéias matemáticas (a matemática pode trabalhar com a idéia de
uma figura de mil lados, o quiliógono, e, no entanto, jamais tivemos e jamais
teremos a percepção de uma figura de mil lados).
Essas idéias, diz Descartes, são “a assinatura do Criador” no espírito das criaturas
racionais, e a razão é a luz natural inata que nos permite conhecer a verdade.
Como as idéias inatas são colocadas em nosso espírito por Deus, serão sempre
verdadeiras, isto é, sempre corresponderão integralmente às coisas a que se
referem, e, graças a elas, podemos julgar quando uma idéia adventícia é
verdadeira ou falsa e saber que as idéias fictícias são sempre falsas (não
correspondem a nada fora de nós).
Ainda segundo Descartes, as idéias inatas são as mais simples que possuímos
(simples não quer dizer “fáceis”, e sim não-compostas de outras idéias). A mais
famosa das idéias inatas cartesianas é o “Penso, logo existo”. Por serem simples,
as idéias inatas são conhecidas por intuição e são elas o ponto de partida da
dedução racional e da indução, que conhecem as idéias complexas ou compostas.
A tese central dos inatistas é a seguinte: se não possuirmos em nosso espírito a
razão e a verdade, nunca teremos como saber se um conhecimento é verdadeiro
ou falso, isto é, nunca saberemos se uma idéia corresponde ou não à realidade a que ela se refere. Não teremos um critério seguro para avaliar nossos
conhecimentos.

Fonte: Chaui, Marilena. Convite à filosofia, Unidade 2, Capítulo 3.

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