sábado, 10 de janeiro de 2015

Os princípios racionais



Desde seus começos, a Filosofia considerou que a razão opera seguindo certos
princípios que ela própria estabelece e que estão em concordância com a própria
realidade, mesmo quando os empregamos sem conhecê-los explicitamente. Ou
seja, o conhecimento racional obedece a certas regras ou leis fundamentais, que
respeitamos até mesmo quando não conhecemos diretamente quais são e o que
são. Nós as respeitamos porque somos seres racionais e porque são princípios
que garantem que a realidade é racional.
Que princípios são esses? São eles:
Princípio da identidade, cujo enunciado pode parecer surpreendente: “A é A” ou
“O que é, é”. O princípio da identidade é a condição do pensamento e sem ele
não podemos pensar. Ele afirma que uma coisa, seja ela qual for (um ser da
Natureza, uma figura geométrica, um ser humano, uma obra de arte, uma ação),
só pode ser conhecida e pensada se for percebida e conservada com sua
identidade.
Por exemplo, depois que um matemático definir o triângulo como figura de três
lados e de três ângulos, não só nenhuma outra figura que não tenha esse número
de lados e de ângulos poderá ser chamada de triângulo como também todos os
teoremas e problemas que o matemático demonstrar sobre o triângulo, só
poderão ser demonstrados se, a cada vez que ele disser “triângulo”, soubermos a
qual ser ou a qual coisa ele está se referindo. O princípio da identidade é a
condição para que definamos as coisas e possamos conhecê-las a partir de suas
definições.
Princípio da não-contradição (também conhecido como princípio da
contradição), cujo enunciado é: “A é A e é impossível que seja, ao mesmo tempo
e na mesma relação, não-A”. Assim, é impossível que a árvore que está diante de
mim seja e não seja uma mangueira; que o cachorrinho de dona Filomena seja e
não seja branco; que o triângulo tenha e não tenha três lados e três ângulos; que o
homem seja e não seja mortal; que o vermelho seja e não seja vermelho, etc.
Sem o princípio da não-contradição, o princípio da identidade não poderia
funcionar. O princípio da não-contradição afirma que uma coisa ou uma idéia
que se negam a si mesmas se autodestroem, desaparecem, deixam de existir.
Afirma, também, que as coisas e as idéias contraditórias são impensáveis e
impossíveis.
Princípio do terceiro-excluído, cujo enunciado é: “Ou A é x ou é y e não há
terceira possibilidade”. Por exemplo: “Ou este homem é Sócrates ou não é
Sócrates”; “Ou faremos a guerra ou faremos a paz”. Este princípio define a
decisão de um dilema - “ou isto ou aquilo” - e exige que apenas uma das
alternativas seja verdadeira. Mesmo quando temos, por exemplo, um teste de
múltipla escolha, escolhemos na verdade apenas entre duas opções - “ou está
certo ou está errado” - e não há terceira possibilidade ou terceira alternativa, pois,
entre várias escolhas possíveis, só há realmente duas, a certa ou a errada.
Princípio da razão suficiente, que afirma que tudo o que existe e tudo o que
acontece tem uma razão (causa ou motivo) para existir ou para acontecer, e que
tal razão (causa ou motivo) pode ser conhecida pela nossa razão. O princípio da
razão suficiente costuma ser chamado de princípio da causalidade para indicar
que a razão afirma a existência de relações ou conexões internas entre as coisas,
entre fatos, ou entre ações e acontecimentos.Pode ser enunciado da seguinte
maneira: “Dado A, necessariamente se dará B”. E também: “Dado B,
necessariamente houve A”.
Isso não significa que a razão não admita o acaso ou ações e fatos acidentais, mas
sim que ela procura, mesmo para o acaso e para o acidente, uma causa. A
diferença entre a causa, ou razão suficiente, e a causa casual ou acidental está em
que a primeira se realiza sempre, é universal e necessária, enquanto a causa
acidental ou casual só vale para aquele caso particular, para aquela situação
específica, não podendo ser generalizada e ser considerada válida para todos os casos ou situações iguais ou semelhantes, pois, justamente, o caso ou a situação
são únicos.
A morte, por exemplo, é um efeito necessário e universal (válido para todos os
tempos e lugares) da guerra e a guerra é a causa necessária e universal da morte
de pessoas. Mas é imprevisível ou acidental que esta ou aquela guerra aconteçam.
Podem ou não podem acontecer. Nenhuma causa universal exige que aconteçam.
Mas, se uma guerra acontecer, terá necessariamente como efeito mortes. Mas as
causas dessa guerra são somente as dessa guerra e de nenhuma outra.
Diferentemente desse caso, o princípio da razão suficiente está vigorando
plenamente quando, por exemplo, Galileu demonstrou as leis universais do
movimento dos corpos em queda livre, isto é, no vácuo.
Pelo que foi exposto, podemos observar que os princípios da razão apresentam
algumas características importantes:
? não possuem um conteúdo determinado, pois são formas: indicam como as
coisas devem ser e como devemos pensar, mas não nos dizem quais coisas são,
nem quais os conteúdos que devemos ou vamos pensar;
? possuem validade universal, isto é, onde houver razão (nos seres humanos e
nas coisas, nos fatos e nos acontecimentos), em todo o tempo e em todo lugar,
tais princípios são verdadeiros e empregados por todos (os humanos) e
obedecidos por todos (coisas, fatos, acontecimentos);
? são necessários, isto é, indispensáveis para o pensamento e para a vontade,
indispensáveis para as coisas, os fatos e os acontecimentos. Indicam que algo é
assim e não pode ser de outra maneira. Necessário significa: é impossível que
não seja dessa maneira e que pudesse ser de outra.

Fonte: Chaui, Marilena. Convite à filosofia, Unidade 2, Capítulo 1.

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